sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

GUARATUBA BAY - Eric e o Livro de Tombo



Eric, já estava se dando por vencido e prestes a desistir de continuar seu romance histórico sobre a cidade de Guaratuba, pois pouco havia restado da história inicial do local após o acidente que levou ao afundamento da avenida à beira da baía, onde ficava situada a Prefeitura Municipal, que junto de outros edifícios históricos afundou nas águas, levando junto aos escombros toda a documentação oficial existente consigo às profundezas .
Já havia procurado esse Livro de Tombo, por várias bibliotecas das cidades próximas na esperança de vir a encontrá-lo, caso alguma boa alma previdente, o tivesse preservado antes do acidente em locais mais apropriados e seguros.
Blibliotecas de Guaratuba, Curitiba, Paranaguá, São Francisco do Sul, Cananéia e nenhuma pista dele.
Desanimado, confessou sua decepção à um amigo e ficou até pasmo com a maneira simples e lógica de uma pessoa alheia à esse interesse dele.
-Já o procurou no Museu Paranaense Eric?
-Não...

Maria da Glória, já trabalhava no museu a vinte anos, e andava entediada com aquele setor sob seus cuidados, uma velharia se despedaçando sob a ação do tempo e por aquelas impiedosas traças e cupins que tudo que fôsse derivado de celulose às faziam de moradas e alimentos.
Madeira, livros, sendo paulatinamente e irremediavelvente destruídos pela ação desses bichinhos.
Seu “setor” ficava num porão úmido do antigo edifício e composto por duas pequenas salas e um depósito de livros velhos.
Na sua  sala,  uma escrevaninha antiga de madeira de lei, suportava uma carga de documentos sobre ela, e já empoeirados pelo tempo.
Na ante-sala, a mesa do seu auxiliar, um homem de 50 anos, parecendo  ter 20 a mais, mas um bom sujeito o Teobaldo, que contava os meses para alcançar seu maior objetivo na vida, a aposentaria e se ver o mais distante possível daquele lugar, esquecido pelos diretores da entidade.
Raramente aparecia alguém no setor de preservação dos documentos históricos.
-Preservação? Pensou triste Teobaldo, lembrando que toda a verba necessária para a recuperação e melhorias no depósito, como substituição das prateleiras de madeira infestadas de cupins por outras,  metálicas, climatização, contrôle de humidade, foram cortados a muitos anos, com a justificativa da instalação e a cara manutenção do sistema central de ar condicionado das salas dos inúmeros funcionários mais graduados, máquinas de café, de refrigerantes na copa e outras regalias.
-Os livros antigos? Quem se interessa por isso Teobaldo? Disse o Diretor encerrando o assunto e já cansado  das reinvidicações daquele sujeito tão precocemente carcomido pelo tempo quantos aqueles livros.
-Quanto antes as traças derem fim a eles, menos incomôdos e encheção de saco teremos, meu amigo, vai por mim!
Maria da Glória ainda tentava com os parcos recurssos  disponíveis, manter o que restava deles.
Triste, ela também já até ansiava pela sua aposentaria, mas ainda aos 37 anos, isso iria demorar muito a chegar.
Lembrou do seu primeiro dia como estagiária de bibliotecária no Museu, aos 17 anos.
Fora indicada por um amigo de seu avô, que era conhecido do diretor atual na época.
E imediatamente apresentada ao chefe do Setor de livros , é claro, um homem gordo e mascilento de uns 45 anos, que fez uma devida avaliação de seu currículo.
E parece ter gostado do que viu dentro do seu vestido justo e modelante do corpo jovem e fresco.
Naquele tempo, assédio sexual ou moral, era prática comum e sem riscos de punições aos funcionários públicos, chefes de garotas bonitas.
Resistiu aos assédios do chefe por dois anos...
Nessa altura, seu avô já havia falecido e orfã como era, criada por ele, se viu sózinha no mundo, com lenços, documentos, mas sem parentes.
Não foi de todo mal, pois o motél era confortável e “seu” Joaquim não possuia mais interesses físicos, apenas aqueles que o mantinham sob a admiração dos colegas de sua idade, como o galã conquistador de funcionárias.
Rapidamente a noticia se espalhou pelo museu, e com isso Maria da Glória até conquistou melhor status , afinal agora ela já era a preferidinha  do chefe.
Três anos depois  se casou com um amigo do amante, um viuvo de 70 anos, porém bem ricaço e sua vida se tornou  mais atrativa e confortável.
Mas como o que é bom dura pouco, num espaço de apenas seis meses, lá se foram o “amante, de mentira ” e o marido bondoso, pro beleléu...
Só não se tornara uma viúva triste, graças à bondade daquele rapaz moreno que viera fazer um conserto na banheira de hidromassagem da suite no apartamento dela.
Comprou um poodle branco prá lhe fazer companhia e o batizou de Fru-frú.

Eric saiu de Guaratuba numa manhã de sol e botou seu Porsche Carrera , preto e conversível na estrada de pista dupla pedagiada e em boas condições de manutenção que fazia a ligação entre esta cidade e Curitiba.
Sua paixão por velocidade já lhe havia custado uns bons trocados em multas por excesso, mas como resistir àquele potente motor e seu fantástico câmbio sequencial Tip-Tronic de seis marchas?
As dez da manhã, se viu descendo as escadas em direção ao porão do Museu, onde ficava o setor de livros antigos.
-Dna. Maria? Tem um senhor querendo falar com você...! Teobaldo avisou sua chefe através do interfone.
-Tem certeza Teobaldo? Já fazem uns dois anos que ninguém me procura aqui...
-Ele quer saber a respeito de um tal Livro chamado de Queda, ahhh...peraí, ele está me dizendo que não Queda e  e´...Tombo!
-Livro do Tombo? Mas o que é isso Teo, nunca houvi falar!
Maria da Glória não conseguiu disfarçar o suspiro e o brilho nos olhos ao se deparar com aquele senhor de 50 anos, de fartos cabelos louros, alto , bronzeado a lhe sorrir de maneira  amigável.
-Senhora Maria?
-Maria da Glória Junqueira da Silva...sim, e quem é o senhor?
-Ahhh...desculpe, eis meu cartão...
-Hummm...Eric Ericksen, sei, o senhor é polaco?
-Bem, nem tanto, mas sou decendentes de vikings dinamarqueses...! Eric falou divertido.
-Ahhh...e o que um “viking” deseja aqui na minha sessão?
-Algumas informações sobre o Livro de Tombo da cidade de Guaratuba, tive informações de que poderia se encontrar aqui!
-Não acho que tenhamos esse tal livro, aqui, mas farei uma busca...ligue no final da tarde prá mim nesse número...
-É o número do celular do...Museu?
-Não, é o meu particular!
As dez horas daquela noite, Maria da Glória entrou em seu apartamento, chutou os sapatos de saltos altíssimos que comprara naquela tarde prá impressionar e foi recebida com alegria pelo seu cãozinho.
-Frú-Frú...nem vai acreditar, mas hoje dei uma   "daquelas" ...
Em outro ponto da cidade, sentado numa das mesas do Bar Stuart, degustando testítulos de touros ensopado, acompanhado por carne de onça com fatias de pão de centeio, doses de  stainhagger e canecos de  chopp geládissimo, Eric nem acreditou ter sobre a mesa tão cobiçado troféu, o Livro de Tombo de Vila de São Luís da Marinha de Guaratuba, datado no século XVIII à sua frente.  

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