segunda-feira, 15 de novembro de 2010

UMA ESTAÇÃO CHAMADA FELICIDADE

Eric estacionou a motoneta aérea que havia locado num dos Shoppings Centers, no espaço reservado à Companhia que explorava esse sistema de táxis individuais e especiais, na Gare da moderníssima e recém inaugurada estação.
Sua intenção era embarcar naquele trem bala de altíssima velocidade, com destino à Paris e que percorria esse caminho  através de um túnel subterrâneo entre  Curitiba e Paris...num total de 6.000 km de extensão, cruzando o Oceano Atlântico, passando debaixo do Canal da Mancha, até o Museu do Louvre, onde ficava o terminal de linha direta.
Uma viagem rápida e confortável, e de apenas 10 horas...
Cumpriu todo o ritual exigido pela empresa que operava o sistema, a começar pela roupa térmica que acompanhava o bilhete.
Como bagagem, apenas o estojo de instrumentos pessoais, tais como, o aparelho elétrico à bateria de lítio ,automático de higiene bucal, e o sistema moderno de liberações fisiológicas dotado com adaptadores e imediata destruição dos resíduos, transformando-os em ração granulada destinada aos espaços zoológicos de espécies já extintas em espaços anteriormente existentes em céu aberto.
 A alimentação necessária durante esse percursso, era proporcionada através de tubos esterilizados de fornecimento de densos líquidos , instalados em todas as poltronas individuais dos passageiros.
Mesmo para aquela  época , a infra-estrutura da estação era futurista, com desenhos arquitetônicos leves, porém belíssimos, além de práticos.
Esteiras rolantes, transportavam os passageiros através de trincheiras por baixo das linhas monotrilhas  das composições com destinos diferentes  e que formavam  um emanharado de portões de embarques.
Eric vivia e desfrutava das modernidades atuais, mas sentía-se sempre meio atordoado com o burburinho alegre da imensa quantidade de pessoas usuárias do sistema.
E naquela manhã de primavera, o burburinho era intenso, pelo início das férias universitárias.
Hawaaii, Bora-Bora, Ilha da Páscoa, Galápagos e outros destinos dos mais procurados...até o sopé do Everest eram servidos por linhas subterrâneas.
 Havia até uma linha direta ao terminal do complexo   Museu Smithsoniano nos EUA!
Mas seu destino estava selado, e Eric não abriria mão...apesar das tentações, . . .o Museu do  Louvre!
Distraído, olhando a tela do seu mais novo GE-Pod-IV, nem se deu conta de algumas exclamações injuriosas de vários passageiros ao seu lado.
-Amoooor...veja só o que aquelas pessoas estão fazendo,....não acredito!
Falou uma garota com seus cabelos nas côres do arco-íris ao seu namorado, usando uma fantasia de um dos mais novos super-heróis dos filmes digitais da atualidade.
-Ohhh....é mesmo Walquíria, elas estão pulando os muros de proteção e correndo em direção àquela coisa horrenda lá do outro lado dos monotrilhos...aiii...que gente mais “demodée”, né?
Esse diálogo chamou à atenção do distraído Eric, e só então ele viu aquilo.
À uns bons 300 metros da plataforma principal, onde se encontrava, se via um descampado e ao limite dele uma construção que parecia ter saído de um filme de cown-boys do século XIX...
Uma estrutura pequena e de madeira, tendo à frente de sua plataforma, uma linha paralela, com...
-Não acredito nisso! Pensou Eric
Dois trilhos!
Mas isso não existe a mais de cinco séculos! Pensou entre pasmo e admirado.
Notou que as pessoas que corriam em direção à pequena construção de madeira, não usavam as roupas especiais de viagens “bálicas”, e se vestiam como se saindo de um palco de teatro primordial.
Tentou interpelar uma moça usando calças  jeans das bem antigonas, mas ela apenas sorriu sem parar de correr!
-Rápido moço, se não vai perder o trem!
-Como assim perder o trem? Sabemos que nenhuma composição se desloca  antes de ter todos seus passageiros acomodados em suas poltronas...
Falou sózinho, pois a garota já havia colocado uns bons 30 m de dianteira.
Sem saber porquê, saiu às carreiras atrás da moça, saltando como ela e outros , aqueles murinhos baixos de proteções em direção à pequena casinha de madeira.
-Devo estar tendo visões! Eric pensou
-Ou morri, ou devo ter voltado ao Passado!
A estação era uma construção de duas águas cobertas com arcáicas telhas de cerâmica, e uma plataforma de madeira estreita diante dos dois trilhos de bitola estreita.
Nos bancos de tábuas, os passageiros à espera , do seja lá o que fôsse, exibindo àquelas expressões de alegria das crianças.
Um homem velho, de barbas e cabelos brancos, bonachão, gordo, vestindo um daqueles macacões azuis de suspensórios e rosto corado, não parava de oferecer: Bilhetes...bilhetes!

Uma moçoila jovem e coradinha de uns 15 anos, carregava uma cesta de palha coberta com um alvo pano de saco de farinha de trigo  nos braços  e oferecia...
-Olha os sonhos da vovó, sonhos de goiabada, sonhos de nata, fresquinhos!!!!
E a alegre turba de passageiros, comprando todos os sonhos que ela oferecia!
Eric cada vez mais bestificado com aquilo tudo, se beslicando para acordar.
-Mas o que é isso que estão comprando? Eric perguntou à garota de jeans que havia interpelado durante a desenfreada correria.
-Sonhos, moço, nunca experimentou? São deliciosos...
-Nunca houvi falar , mas como se compra isso?
-Ahhh...com aquelas moedinhas antigas que nossos trisavós guardavam dentro de cofrinhos...
...eiii....você não tem moedinhas de bronze, né moço?
-Eu nem sei  o que é isso! Eric confessou...
-Então tá, vou te emprestar algumas, é que acabei de encontrar um cofrinho da minha bisavó repleto delas...
-E essa comida não é ....”tóxica” ?
-Bobinho, vai se lambuzar de tanto comer e gostar, podes crer!
Eric nem teve tempo de se lambuzar com nata e goiabada, pois o velho senhor da plataforma, retirou de um bolsinho uma traquitana, parecida com um dos mais antigos relógios inventados amarradinho ao seu cinto com uma correntinha,  e  todo feliz anunciou em voz alta de barítono.
-Tá chegando...daqui a um minuto ele aponta na curva!
Eric olhou prá curva dos trilhos paralelos a mais de 500 m...e não viu dada.
De repente, levou o maior susto e gritou prá todos!
-Incêndio....incêndio gente!
É que ele viu duas nuvens de fumaças sendo projetadas ao ar, uma meio acinzentada e outra branca como neve, a pouca distância da curva dos trilhos.
A moça dos sonhos, com um sorriso acolhedor lhe falou:
-É sua primeira vez né?
Nem teve tempo de assimilar a pergunta e viu incrédulo uma coisa horrenda, uma massa de ferros surgir na curva e com aqueles intrigantes sons.
Chuc, chuc, chuc chuc....Piuuuuííííí....piuííí...
Olhou para o velho da plataforma, meio aparvaolhado...
O senhor,  sorriu para ele e indicou uma pequena placa de madeira pendurada por duas correntinhas fixadas na estrutura da cobertura da plataforma sem forro.
Impressa à fogo nela, o destino dos passageiros ali à  espera do  “tal”  trem...
. . .FELICIDADE!

GUARATUBA BAY

f.f.ottmann
                                                     Guaratuba Bay
                                                       
               

Prólogo
Eric e o Livro de Tombo

Eric, já estava se dando por vencido e prestes a desistir de continuar seu romance histórico sobre a cidade de Guaratuba, pois pouco havia restado da história inicial do local após o acidente que levou ao afundamento da avenida à beira da baía, onde ficava situada a Prefeitura Municipal, que junto de outros edifícios históricos afundou nas águas, levando junto aos escombros toda a documentação oficial existente consigo às profundezas .
Já havia procurado esse Livro de Tombo, por várias bibliotecas das cidades próximas na esperança de vir a encontrá-lo,caso alguma boa alma previdente, o tivesse preservado antes do acidente em locais mais apropriados e seguros.
Blibliotecas de Guaratuba, Curitiba, Paranaguá, São Francisco do Sul, Cananéia e nenhuma pista dele.
Desanimado, confessou sua decepção à um amigo e ficou até pasmo com a maneira simples e lógica de uma pessoa alheia à esse interesse dele.
-Já o procurou no Museu Paranaense Eric?
-Não...

Maria da Glória, já trabalhava no museu a vinte anos, e andava entediada com aquele setor sob seus cuidados, uma velharia se despedaçando sob a ação do tempo e por aquelas impiedosas traças e cupins que tudo que fôsse derivado de celulose às faziam de moradas e alimentos.
Madeira, livros, sendo paulatinamente e irremediavelvente destruídos pela ação desses bichinhos.
Seu “setor” ficava num porão úmido do antigo edifício e composto por duas pequenas salas.
Sua sala, onde uma escrevaninha antiga de madeira de lei, suportava uma carga de documentos sobre ela, e já empoeirados pelo tempo.
Na ante-sala, a mesa do seu auxiliar, um homem de 50 anos, parecendo  ter 20 a mais, mas um bom sujeito o Teobaldo, que contava os meses para alcançar seu maior objetivo na vida, a aposentaria e se ver o mais distante possível daquele lugar, esquecido pelos diretores da entidade.
Raramente aparecia alguém no setor de preservação dos documentos históricos.
-Preservação? Pensou triste Teobaldo, lembrando que toda a verba necessária para a recuperação e melhorias no depósito, como substituição das prateleiras de madeira infestadas de cupins por outras,  metálicas, climatização, contrôle de umidade, foram cortados a muitos anos, com a justificativa da instalação e a cara manutenção do sistema central de ar condicionado das salas dos inúmeros funcionários mais graduados, máquinas de café, de refrigerantes na copa e outras regalias.
-Os livros antigos? Quem se interessa por isso Teobaldo? Disse o Diretor encerrando o assunto e já cansado  das reinvidicações daquele sujeito tão precocemente carcomido pelo tempo quantos aqueles livros.
-Quanto antes as traças derem fim a eles, menos incomôdos e encheção de saco teremos, meu amigo, vai por mim!
Maria da Glória ainda tentava com as possibilidades oferecidas,  manter o que restava deles.
Triste, ela também já até ansiava pela sua aposentaria, mas ainda aos 37 anos, isso iria demorar muito a chegar.
Lembrou do seu primeiro dia como estagiária de bibliotecária no Museu, aos 17 anos.
Fora indicada por um amigo de seu avô, que era conhecido do diretor atual na época.
E imediatamente apresentada ao chefe do Setor de livros , é claro, um homem gordo e mascilento de uns 45 anos, que fez uma devida avaliação de seu currículo.
E parece ter gostado do que viu dentro do seu vestido justo e modelante do corpo jovem e fresco.
Naquele tempo, assédio sexual ou moral, era prática comum e sem risco de punições aos funcionários públicos, chefes de garotas bonitas.
Resistiu aos assédios do chefe por dois anos...
Nessa altura, seu avô já havia falecido e orfã como era, criada por ele, se viu sózinha no mundo, com lenços, documentos, e... sem parentes.
Não foi de todo mal, pois o motél era confortável e “seu” Zezé não possuia mais interesses físicos, apenas aqueles que o mantinham sob a admiração dos colegas de sua idade, como o galã conquistador de funcionárias.
Rapidamente a noticia se espalhou pelo museu, e com isso Maria da Glória até conquistou melhor status , afinal agora ela já era a “comidinha” do chefe.
Três anos depois  se casou com um amigo do amante, um viuvo de 70 anos, porém bem ricaço e sua vida se tornou bem mais atrativa e confortável.
Mas como o que é bom dura pouco, num espaço de apenas seis meses, lá se foram o “amante, não muito amante ” e o marido, nada amante, pro beleléu...
Só não se tornara amante e esposa virgem, graças à bondade daquele rapaz moreno que viera fazer um conserto na banheira de hidromassagem da suite no apartamento do casal, justamente no dia em que seu marido havia ido ao clube jogar xadrez com seus amigos de idades parecidas.
Comprou um poodle branco prá lhe fazer companhia e o batizou de Fru-Fru.

Eric saiu de Guaratuba numa manhã de sol e botou seu Porsche Carrera , preto e conversível na estrada de pista dupla pedagiada e em boas condições de manutenção qua fazia a ligação entre esta cidade e Curitiba.
Sua paixão por velocidade já lhe havia custado uns bons trocados em multas por excesso, mas como resistir àquele potente motor e seu fantástico câmbio sequencial Tip-Tronic de seis marchas?
As dez da manhã, se viu descendo as escadas em direção ao porão do Museu, onde ficava o setor de livros antigos.
-Dna. Maria? Tem um senhor querendo falar com você...! Teobaldo avisou sua chefe através do interfone.
-Tem certeza Teobaldo? Já fazem uns dois anos que ninguém me procura aqui...
-Ele quer saber a respeito de um tal Livro chamado de Queda, ahhh...peraí, ele está me dizendo que não Queda e  e´... Livro de Tombo!
-Livro do Tombo? Mas o que é isso Teo, nunca houvi falar!
Maria da Glória não conseguiu disfarçar o suspiro e o brilho nos olhos ao se deparar com aquele senhor de 50 anos, de fartos cabelos louros, alto , bronzeado e irresistível a lhe sorrir de maneira  amigável.
-Senhora Maria?
- Vva. Maria da Glória Junqueira da Silva...sim, eu mesma e quem é o senhor?
-Ahhh...desculpe, eis meu cartão...
-Hummm...Eric Ericksen, sei, o senhor é polaco?
-Bem, nem tanto, mas sou decendentes de vikings dinamarqueses...! Eric falou divertido.
-Ahhh...e o que um “viking” deseja aqui na minha sessão?
-Algumas informações sobre o Livro de Tombo da cidade de Guaratuba, tive informações de que poderia se encontrar aqui!
-Não acho que tenhamos esse tal livro, aqui, mas farei uma busca...ligue no final da tarde prá mim nesse número...
-É o número do celular do...Museu?
-Não, é o meu particular!
As dez horas daquela noite, Maria da Glória entrou em seu apartamento, chutou os sapatos de saltos altíssimos que comprara naquela tarde prá impressionar e foi recebida com alegria pelo seu cãozinho.
-Fru-Fru...nem vai acreditar, mas hoje dei uma  Trepada daquelas...
Em outro ponto da cidade, sentado numa das mesas do Bar Stuart, degustando testítulos de touros , acompanhado por carne de onça com fatias de pão de centeio, doses de   stanhaiger e canecos de chopp geladíssimo, Eric nem acreditou ter sobre a mesa tão cobiçado troféu, o Livro de Tombo de Vila de São Luís da Marinha de Guaratuba, datado no século XVIII à sua frente.